A questão fundiária em Angola:
tarefa do governo ou compromisso de todos?(1)
Dr. Paolo Groppo,
Serviço da Posse de Terra
Direcção do Desenvolvimento Rural da FAO
Responsável pela componente terra do programa FAO Governo da Angola
1. Evolução histórica: o espaço construído pelos actores e o espaço determinado pelo Estado
Antigamente, a representação dominante do espaço era una construção interna, realizada pelos actores em função das suas necessidades. Si os Romanos privilegiavam as noções de limites (limes) e de superfície, outros actores, como no caso das sociedades pre-coloniais africanas, construíam o espaço em função de uma relação de complementaridade entre tipo de recurso natural e seus niveles de apropriação, entre direitos individuais e colectivos: o seja geralmente o mesmo espaço podia ser representado em maneira distinta, dependendo da necessidade do actor, de seu nível de controle sobre os recursos naturais e de seu nível de inserção social. Os espaços não eram construídos em função de fragmentar e constituir fronteiras (divisões do espaço)(2). A estas visões, autoreferenciadas, faltava uma capacidade de abstracção que permitira validar estas informações e dar uma continuidade objectiva aos distintos pontos do espaço.
Com a chegada dos navegadores e geógrafos europeus a construção do espaço muda radicalmente devido a transposição da leitura do espaço a partir das estrelas (uma externalidade independente dos referencias terrestres). As consequências desta passagem foram por um lado a importância privilegiada do elemento externo na construção dos novos mapas “modernos” e, consequentemente a menor relevância dos elementos de construção interna (as visões dos actores) e a importância nova que assumia a tecnologia e o conhecimento na construção e representação do espaço: os detentores destas habilidades eram essencialmente representantes do Estado, que passa, de esta forma, a ser o detentor absoluto do direito de representar (e construir) o espaço.
No caso das colónias portuguesas, a primeira lei estabelecendo de forma categórica a primazia do Estado sobre as terras data da metade do século passado, 1856, onde se opera uma distinção entre as terras baldias e as terras do Estado. As primeiras podem ser vendidas, as segundas não. Nesse período (entre os países coloniais) domina o principio exclusivista: são terras do Estado todas aquelas que não tem sido adquiridas (e representadas nos mapas, com seus limites) como previsto pelas leis do país colonial, ao momento de aprovar a lei.
2. O caminho lento do reconhecimento dos direitos costumeiros: a época colonial
No final do século passado começa se dar de forma mais sistemática uma elaboração de textos próprios aos territórios de ultramar, tanto nas colónias portuguesas como nas outras colónias na África.
E´ assim como nos primeiros anos 1900, ao lado das terras que já tinham entrado definitivamente no regimen de propriedade privada o de domínio publico, começa a aparecer uma terceira categoria, conhecida em português como os terrenos “vagos”.
No contexto das colónias francesas, as terras “vagas” som aquelas terras dos indígenas (que também aparecem como categoria na lei portuguesa de 1901 para as terras de ultramar). A ideia sendo que estas terras, detidas pelas colectividades indígenas, no podem ser cedidas a particulares sim autorização previa dos oficiais do Estado(3).
Na pratica significa conceder um direito limitado, tanto no plano político como jurídico, as comunidades que aí vivem. Este articulo foi bastante contestado e finalmente na metade dos anos 30 o principio foi modificado, indicando que estas terras deveram ter sido inexploradas o sim ocupação durante pelo menos 10 anos. O que, de facto, deixa uma grande parte das terras, ocupadas, exploradas/geridas pelas comunidades e indivíduos, fora das categorias existentes.
O sentido pratico deste cambio foi de abrir a discussão (central na problemática fundiária angolana de hoje) sobre: (i) que tipo de reconhecimento para os detentores de direitos tradicionais sobre as terras, sejam indivíduos, colectivos o comunidades e (ii) que tipo de relacionamento possa existir entre formas tanto distintas de direito.
O principio das terras para uso exclusivo das povoações indígenas (o que no significa que sejam terras reconhecida como pertencentes aos indígenas) aparece pela primeira vez nas colónias portuguesas a partir dos anos vinte. Nos anos seguintes não registram-se muitas modificações e somente no 1955, no pleno do período da descolonização e construção dos Estados independentes que aparece, na elaboração jurídica francesa a confirmação dos direitos tradicionais exercidos individualmente o colectivamente sobre as terras não apropriadas em função das regras do código civil o do regimen de imatriculação. Estos princípios no foram muito aplicados, sobre todo porque os novos governos independentes rejeitaram a ideia de limitar de qualquer forma os direitos fundiários dos futuros Estados. A esto aspecto temos que acrescentar as visões ideológicas dominantes na época que consideravam as comunidades “tradicionais” como uma herança do passado que necessitada ser ultrapassada para criar dinâmicas de desenvolvimento.
No caso de Angola, o final dos anos 50 e começo dos 60 representarão um momento de cambio importante, essencialmente devido as criticas das Nações Unidas em matéria de trabalho forçado utilizado nas colónias, e sobre a discriminação racial tal como expressada no Estatuto dos Indígenas. Também é de sinalar que é neste período que começa a luta de liberação nacional, feito que no es estrangeiro aos câmbios legislativos realizados por Portugal no que diz respeito ao tema terra.
E´ neste contexto que em 1961 elimina-se o Estatuto do Indígena e manifesta-se abertamente a preocupação entorno aos conflitos entre os colonos/fazendeiros portugueses e as povoações colonizadas, com a ideia de legitimar a ocupação das terras realizadas pelos colonos/fazendeiros, contando fomentar novas formas de agricultura moderna. A solução jurídica foi buscada dentro da experiência que Portugal tinha na sua própria historia, tipo as sesmarias. Como diz Guerra Moreira, se tratava de um conceito que havia sido largamente preparado pela experiência colonial e que radicada nos conceitos indefinidos tipo as terras baldias, as incultas, as terras não-exploradas, sendo o denominador comum a ideia de uma cosa não completamente apropriada por ninguém, inclusive o Estado, cosa disponível que pêro no era “res nullius”. O autor propõe uma interessante similitude entre este conceito e o poder eminente que os monarcas africanos e demais autoridades tradicionais detinham na época antes da colónia em relação aos terrenos considerados como parte integrante de seu território e sobre os quais incidia um poder de superintendência fundiária no uso comunitário e/o individual de estas terras em função dos hábitos e tradições locais.
São estos os mesmos poderes que as autoridades tradicionais angolanas continuaram a exercer de facto durante a época colonial, mesmo quando, “de jure”, este poder estivera formalmente nas mãos do Estado colonial.
3. A posse da terra depois da independência
A saída dos portugueses ao momento da Independência, permitiu aos camponeses, pequenos produtores e comunidades de retomar a terra que havia sido apropriada pelo poder colonial. A aparente abundância de terra, o lento arranque de um processo de desenvolvimento rural, fizeram que no aparecesses maiores conflitos pela terra. Nestas condições, a ausência de uma apropriada legislação agraria não apareceu como algo muito importante na agenda do novo governo nos primeiros anos após a Independência(4). Mesmo a Constituição de 1975, quem define no articulo 11 todos os recursos naturais como propriedade do Estado, não dizia nada especifico sob a terra. De facto, a dicotomia cultural - jurídica introduzida a traves do sistema colonial, se mantinhas intacta ate o final da década dos anos 80.
As transformações económicas empreendidas a final daquela década e no começo dos anos 90, provocaram um cambio importante da situação geral, mesmo quando os dilemas de fundo (que tipo de direito tradicional e que relações entre direitos positivos e direitos tradicionais) no foram tocados. A privatização das companhias estatais criadas depois da independência levaram a uma confusa corrida pela terra, sobre todo nas áreas de maior estabilidade, perto dos centros urbanos e nas províncias menos afectadas pela guerra. Como diz Hodges(5), este fenómeno favoreceu a emergência de um grupo de famílias bem conectadas com a elite político-militar, a costa dos pequenos produtores quem estiveram ocupando e lavrando as terras daquelas fazendas, sem nenhum titulo, desde meado dos anos 80.
Neste contexto se elabora a nova constituição (1992) que sanciona a passagem a segunda republica, um Estado de direito, baseado na coexistência entre propriedade publica, privada e cooperativa, preservando os poderes do Estado, tanto na direcção da economia, como na confirmação da propriedade estatal da terra e demais recursos naturais. Pouco antes da aprovação da nova constituição foi aprovada a Lei 21 C-92 (testemunha da crescente importância que o tema começa a assumir) sobre a conceição de titularidade de uso e aproveitamento da terra, que passo a ser impropriamente chamada de "lei de terra".
Esta lei, sus limitações e potencialidades, tem que ser analisada dentro do contexto histórico daquele período. No pais e no governo a maioria dos actores políticos partia da consideração de dispor de uma grande disponibilidade de terra, subtilizada, com um subsolo muito rico. Para um governo de reconciliação nacional que procurava recursos para financiar o desenvolvimento era fundamental manter baixo seu controle estos recursos naturais. Também temos que reconhecer que existia pouca o nula experiência em matéria de elaboração jurídica própria, sim muitas comparações possíveis na sub-região o com outros países similares (por exemplo aqueles da comunidade lusofona) e, finalmente, que neste como em outros países da região, dominava uma visão centralizada da economia, onde a participação dos actores, das comunidades, todavia no era considerada nem pelo governo nem pela comunidade internacional como una necessidade.
O resultado foi una lei que obviamente tinha muitas debilidade, a partir da pouca clareza jurídica sobre o tipo de regimen que o Estado exerceria sobre a terra(6). Sendo o Estado o "proprietário originário" da terra (Lei constitucional de 1992) no se aclara si se trata de domínio publico, domínio privado o de domínio eminente. Tampouco se encontra uma solução aos terrenos vagos, cuia terminologia desaparece na nova lei para ser substituída pela do Fundo Nacional de terras.
Não vamos entrar aqui em uma discussão jurídica da lei, cuias limitações tem sido muito bem identificadas por vários autores (Tanner, 1996, Pacheco, 2001). Ademais que a refulgência da violência fiz que, uma vez mais, o assunto da terra, ao igual que muitos outros, passo a perder de prioridade. Como resultado, o regulamento aplicativo da lei, aprovado depois da lei, nunca foi conhecido, como tampouco foi conhecida a própria lei. Situação que se arrasta até hoje.
O outro aspecto que deve ser considerado refere-se a evolução histórica do papel dos lideres tradicionais relativamente a: acesso, uso, gestão, ordenamento e representação do espaço. O processo de de-legitimização que vinha desde a época colonial, continuo depois da independência, consequência de uma visão modernista e centralizadora onde o Estado e as novas técnicas eram os depositários das informações necessárias para “desenvolver” o pais. Esto era já evidente no que diz respeito a construção do espaço, a traves dos mapas “modernos”, pêro também no que se refere ao uso e gestão do espaço, onde as modernas técnicas agronómicas deviam permitir uma qualidade da informação muito melhor comparada com os conhecimentos que as autoridades “tradicionais” tinham sobre estos lugares.
A progressiva imposição de um marco legal, no que se refere a terra, estrangeiro a historia agraria do continente africano, encontro seu limite na incompleta realização do Estado-Nação, construção institucional importada da experiência do mundo ocidental sim muita possibilidade de reflectir sobre sua necessidade e adaptação nas distintas e diversificadas realidades africanas. Estos novos Estados nunca conseguirão impor a sua instituições de forma completa, particularmente no campo. O resultado destas dos tendências (de-legitimização por um lado e incapacidade de substituição pelo outro lado) foi um aumento da incerteza no referente aos direitos fundiários que, em alguns casos, mascarou-se por outras preocupações mais urgentes (guerra, conflito interno).
Em Angola, a década do 90 apresenta de forma alias mais evidente esta dicotomia: legalidade (entendida como conjunto de regras emitidas pelo Estado) versus uma legitimidade (entendida como aceitação social de umas regras) em perdida de velocidade. O choque entre estas dois "culturas" empeça a produzir-se a partir do momento quando a guerra baixa de intensidade, e entramos em una situação como a actual: alta violência pêro no guerra aberta. Nessas condições, a apropriação (e particularmente a regularização) dos recursos naturais, nas zonas estratégicas, passa a ser una preocupação mais evidente por parte dos actores com mais poder em função de uma expectativa de paz futura.
Pacheco tem razão quando diz "até unos deis anos atras, os conflitos conhecidos sobre a terra eram raros [e que] hoje a situação é bastante distinta" (Pacheco 2001:10). A razão, desde nosso ponto de vista, tem que ver com a nova situação que apareceu a medida que a intensidade do conflito ia reduzindo. Por um lado, graças as labores de muitas organizações não governamentais, nacionais e internacionais, a compreensão por parte dos actores locais (camponeses, fazendeiros, comunidades) de sus próprios direitos vá progressivamente melhorando. Por outro lado, o problema de atrair capitais externos para financiar o desenvolvimento agrário do país volta a ser uma prioridade para o governo.
Finalmente, a reduzida capacidade institucional mostra de forma muito evidente que, aumentando o numero de conflitos pela terra no país (essencialmente do tipo: comunidades versus actores externos, em vários casos vinculados a elite dominante), não existe uma capacidade de dar resposta satisfatórias a estas interrogantes o que leva, no corto prazo, a um corto circuito institucional - financeiro que podemos resumir na forma seguinte:
(i) por um lado os actores dominantes tem assegurado o controle físico de uma parte das terras mas interessantes (nas zonas rurais e periurbanas); sus necessidades passam progressivamente a ser a regularização e legalização destas situações, para poder ter acesso a financiamentos internacionais dirigidos a promover formas de agricultura mais modernas e produtivas que seriam dirigidas, en primis, em direcção dessas mesmas áreas, (por ser as melhores tanto desde o ponto de vista agronómico, como de localização frente aos mercados). (necessidade de abrir o dialogo)
(ii) pelo outro lado, a necessidade de assentar uma quantidade crescente de deslocados, os conflitos que surgem com as comunidades, o pouco conhecimento da lei por parte dos próprios funcionários na capital e nas províncias, a ausência de instituições capazes de garantir os direitos "legais" faz que a medida que se abre a discussão sobre o tema "terra" o nível de incerteza aumenta em lugar de se reduzir (devido a complexidade natural desse tema) o que levanta a interrogante, ao nível político, se seja prudente ir pela frente com este tema. (oportunidade de fechar o dialogo)
4. A situação actual: inseguridade e conflitos
E´ bastante conhecido por parte de todos os actores interessados, que até pouco tempo atrás, meado de 1999, se pensava que ao nível do governo no havia interesse em reabrir a discussão sobre a questão fundiária. Os feitos tem demostrado o contrario e mesmo que reduzidos, uma serie de acções foram realizadas, envolvendo de forma participativa órgãos do Estado, organizações não governamentais, agencias internacionais e doadores.
Também é conhecido que não só esta aumentando a massa critica de acções sino que estão aparecendo uma serie de outros actores, de outras instituições, que manifestam um interesse evidente a entrar no debate (caso do grupo inter-ministerial lidado pelo Ministério das Obras públicas, preocupado com as terras urbanas).
Finalmente, nesse mesmo período, devido ao ressurgir da violência, se ha registrado um novo aumento dos deslocados internos, o que, uma vez mais, podaria aumentar as variáveis a ser consideradas dentro da equação fundiária.
A primeira conclusão que podemos tirar do que estamos observando neste período refere-se a necessidade de dar um direccionamento claro ao tema, de forma a não perder de vista os objectivos de fundo e quais sejam os actores a ser envolvidos. Ao não tomar um rumo bem definido, o risco que as pequenas e reduzidas acções actuais não conseguem pegar é muito alto, perdendo, de facto, uma boa oportunidade desde o ponto de vista histórico.
A segunda conclusão tem, uma vez definido o rumo da discussão, qual sejam as prioridades em termos de acção e de métodos de trabalho.
Por ultimo, precisamos entender os mecanismos necessários para empreender esta navegação e qual seriam os navegantes que deveriam participar nesta viagem.
4.1. A estrela polar da questão fundiária
Já temos definido anteriormente qual som as tendências históricas entorno deste tema. Delegitimização das autoridades tradicionais, incapacidade de substituição completa por parte das instituições estatais, com uma interrogante que se arrasta desde os anos 50: qual tipo de direito tradicional esta disposto a reconhecer o Estado as povoações indígenas e como fazer coexistir estas distintas formas jurídicas.
Podaríamos acrescentar que si durante toda uma época, influenciados pelas teorias de Hardin sobre a tragédia dos comunais(7), a posição dominante foi a de reforçar o processo de deligitimizacao das autoridades costumeiras, vários autores(8) nos últimos anos tem reafirmado o papel central das comunidades locais em todas as acções que, globalmente, podaríamos chamar de “land management” (acesso, uso, gestão, ordenamento e representação territorial).
Experiências recentes, no Moçambique, estão confirmando a importância de reconhecer estos actores como parte central da nova definição do Estado. Ademais, estos actores hoje estão dispostos em assumir um papel mais relevante. Hoje não se trata somente de discutir sobre os direitos que o Estado estaria disposto a reconhecer, sino também dos direitos que eles revendicam, para passar a ser sujeitos activos e no passivos da sociedade angolana.
Simplificando um pouco a equação fundiária, podaríamos dizer que se trata de conjugar os problemas de:
Acesso + regularização + uso/gestão
Cada uma destas variáveis tem uma serie de componentes e de actores com visões distintas pêro, com certeza, para cada um dele, seja actor governamental o não, trata-se de um continuum que não pode ser separado facilmente.
O problema do acesso aos recursos coloca o problema inicial da representação do espaço que os distintos actores tem. Assim que não se trata simplesmente de um acesso a terra, porque existem terras e terras, com outros recursos sobre e sob a terra, e para tempos diversos, com finalidades diversas dependendo do actor e de seu relacionamento a sociedade o grupo. Varias som as modalidades possíveis, via o Estado, o mercado, etc.; a escolha entre eles não são necessariamente alternativas e a solução deve ser, evidentemente, parte de um processo de discussão, aberta, envolvendo os actores interessados, devido a que não existem receitas boas em absoluto(9).
No caso angolano, os mecanismos normalmente utilizados sons: herança; oferta; empréstimo; promessas (na sua maioria orais); arranjos de partilhas; compras; invasão(10). Como os conjuntos familiares usam diferentes tipos de terrenos, é comum que exista uma combinação de mecanismos de acesso as terras em vez de um em particular. Isto é verdadeiro especialmente para aquelas famílias que não são considerados como genuínos “donos da terra”. O acesso as terras é negociada directamente com os donos da terra, e uma vez que a transferencia seja concordada as instituições de gestão da comunidade são informadas. Em principio todas as pessoas que pertencem a comunidade (incluindo os residentes estrangeiros), tem acesso aos terrenos de cultivos, florestas, terras para colheitas e caça.
Uma serie de arranjos directos e indirectos de posse de terra tem se observado, principalmente determinados por (i) tipo de terreno e (ii) tipo de relação com os donos de terra. Os terrenos residenciais, terreno de cultivo tanto lavras como nacas são consideradas como propriedade privada do conjunto familiar, pelo menos quando o chefe da família é considerado um “dono de terra”. Terras de pasto e as florestas conhecem um regime de posse na base comunal com a comunidade como seu “dono”, e com regras para seu uso. O mesmo acontece para os recursos hídricos como valas, rios e outros.
A questão da regularização(11) também envolve varias dimensões: (i) uma mais estritamente legal - a lei de terra - e que tipo de direitos devem ser reconhecidos, protegidos, para quem e para quanto tempo; (ii) uma dimensão cadastral (que representação física do espaço, quem deve fazer e deter os produtos destas representação, e para que fins); (iii) uma dimensão de registro dos direitos e (iv) uma dimensão judicial (que mecanismos e recursos humanos serão necessários para fazer conhecer, respeitar e implementar o conteúdo das leis anteriores).
Finalmente, a questão do uso/gestão levanta contemporaneamente: (i) o problema dos sistemas produtivos, (ii) a sostenibilidade ecológica e social e (iii) a dimensão institucional.
Como podemos ver, o direccionamento do debate futuro não poderá se limitar a uma preocupação de tipo jurídica com uma nova lei de terra. Ele deverá antes que tudo responder a pergunta antiga: que papel os actores tradicionais serão chamados a jogar no futuro do pais. A partir de este debate será possível empeçar a reflectir sobre como abordar este conjunto de variáveis da questão fundiária.
4.2. As prioridades temáticas
Dois cenários podem ser apresentados: um donde se reconhece o rol indispensável dos actores locais e outro onde o Estado pretende manter um papel único de ordenador do espaço.
No primeiro caso, a fraqueza destes actores comanda um trabalho urgente de fortalecimento delas, paralelamente com o fortalecimento dos actores do Estado encarregados do ordenamento do território e demais componentes da equação fundiária.
Já foi demostrada a possibilidade de começar a actuar dentro do marco legal existente e assegurar direitos fundiários as comunidades com base na lei de 92(12). Sim embargo, a parte reforçar estas actividades, é importante começar a realizar estudos sobre as dinâmicas territoriais, as visões, as construções dos espaços por parte das comunidades locais, reconhecendo a grande diversidade de situações existentes no pais.
Também aparece como chave o ponto do reforço das comunidades, trabalho que deveria ser feito em prioridade por parte daquelas organizações que trabalham perto delas, ONGs particularmente.
Si o objectivo é de chegar a definir o papel destes actores, e que a resposta seja positiva (primeiro cenário) é básico, ao nível central, elaborar uma plataforma de política fundiária que possa guiar os passos seguintes, desde a revisão da lei, a definição de que tipo de instituição terão que se encarregar de manter as informações (cadastro e registro predial, centralizados o descentralizados, separados o juntos, que papel jogarão as instituições tradicionais no mantimento e actualização das informações...) e o fortalecimento futuro dos órgãos judiciários para prepará-los nas suas funções futuras.
Também existe outro cenário, com o Estado e o governo que quer manter um papel central único no ordenamento do território, desde o ponto de vista jurídico, institucional e produtivo. Parece-me um cenário pouco provável, sim embargo possível. O desempenho histórico ate hoje tem criado bastante preocupações, relativamente tanto a capacidade de fazer funcionar a administração do Estado nas províncias como da incapacidade de entender o papel positivo que as comunidades locais podem exercer, junto com o Estado, no que diz respeito ao ordenamento do território.
4.3. Os mecanismos e os navegantes
Neste nível também é preciso trabalhar com cenários limites muitos distintos: por um lado aquele de tipo participativo, caracterizado pela complementaridade dos órgãos do Estado e da sociedade civil, frente a um outro cenário do Estado actuando como actor único.
Existe um ponto central que é comum aos dos cenários e tem que ver com a fraca articulação institucional existente entre os vários actores do governo, que pretendem mexer com o tema terra. Por isso a criação de um mecanismo de articulação dentro do governo para chegar a complementar os interesses das distintas áreas temática vis-à-vis dos recursos naturais. Sim uma plataforma política por parte do governo, entorno da questão fundiária (ver ponto anterior) a possibilidade de operacionalizar um dialogo com a sociedade civil parece-me bastante complicado.
A partir de aí, as visões podem divergir: no caso do primeiro cenário é fundamental que, perante do esforço de discussão interna por parte dos distintos actores do governo, um trabalho paralelo seja realizado por parte dos demais actores, particularmente aquelas organizações da sociedade civil que pretendem trabalhar junto com as comunidades. Sendo cada dia mais evidente a importância estratégica de assegurar segurança de posse para os distintos actores, as organizações da sociedade civil tem muitas coisas que fazer: terra não é somente uma tarefa do governo, terra é compromisso de todos(13). A elaboração de um marco referencial sobre a questão fundiária, por parte dos actores locais é somente o primeiro passo. A continuação é necessário começar um trabalho de fortalecimento daquelas organizações para elas poder assumir, no futuro, aquelas tarefas complementarias da acção do Estado.
A realidade da fraqueza institucional do Estado comanda a assunção de um papel mais responsável por parte daquelas outras organizações, em um espirito de cooperação, que pode ser abertamente critica, pêro de cooperação.
5. Conclusões
A complexidade da questão fundiária, como aparece deste rápido excursus histórico, é assim grande (no caso angolano como na maioria dos países africanos) que claramente não pode ser resolvida por parte de um actor somente, nomeadamente o Estado, sem a participação activa dos demais parceiros, comunidades, fazendeiros, organizações da sociedade civil, Igreja, doadores e comunidade financeira internacional.
Existem problemas que arrastam desde a época colonial que na verdade nunca foram realmente profundados na época da Independência, como é o caso da combinação dos direitos e instituições tradicionais e sua legitimidade frente a o Estado-nação.
As condições estão dadas, a nosso parecer, para que se aproveita da abertura do governo e de seu pedido a comunidade internacional, para começar a estudar o tema nas suas vertentes temáticas e com mecanismos adequados para que a multiplicidade de temas e de actores, não produza um dialogo confuso e, por ende, pouco produtivo.
Temos analisados rapidamente as dimensões, os temas e os possíveis mecanismos para articular este dialogo, demonstrando, a través da actuação dos últimos dois anos, a factibilidade deste processo. Muitas coisas, sim duvida a maioria, ainda está a ser feita, pêro hoje existe uma possibilidade que, em um espirito de cooperação, critico, entre os actores nomeados precedentemente, permitiria de dar continuidade a um tema, a segurança da posse de terra que tem uma abrangência muito maior, que tem que ver com um processo de democratização das instituições e onde aqueles actores que ate hoje tiverem um espaço limitado para levantar seus direitos, sejam no futuro parte activa deste processo.
Para estas razões é fundamental dar continuidade ao processo, fortalecê-lo em recursos humanos e financeiros, fomentar fora de discussão, como já existem, de forma a que dentro de um ano(14), nos encontramos aqui com a possibilidade de ver este garoto caminhando com suas pernas solidas.
Muito obrigado.
Notas de rodapé:
1. Palestra apresentada na reunião organizada pela Embaixada da Itália, no dia 20 de Julho de 2001, em Luanda. Trata-se de um borrador, que será finalizado nas próximas semanas. Os interessados poderão solicitar copia da versão final ao escritório da FAO-UCPE, no prédio do MINADER.
2. E. Le Roy, La reforme du droit de la terre dans certains pays d’ Afrique francophone, FAO, 1987 3. E. Le Roy, op. cit.
4. Comunicação pessoal do Dr. Norman, Director do Gabinete Jurídico do MINADER
5. T. Hodges, Angola From Afro-Stalinism to Petro-Diamond Capitalism. FNI, IAI, James Currey, Indiana University Press, 2001
6. Guerra Moreira, borrador (2000); comunicação do Sr. Vice-governador da Província do Bengo, no seminário organizado pelo projecto GCPS/ANG/005/ITA na cidade de Caxito, Bengo, no dia 20 de Julho de 2001.
7. G. Hardin, The tragedy of the commons, 1969
8. J.-Ph. Platteau, Réforme agraire et ajustement structurel en Afrique subsaharienne : controverses et orientation, FAO, 1993 ; Le Bris E.- Le Roy E. – Mathieu P. L´appropriation de la terre en Afrique noire. Manuel d´analyse, de décision et de gestion foncières, Karthala, paris, 1991; Bruce J.W. & Migot-Adholla, S.E. Searching for land tenure security in Africa, Kendall/Hunt Publishing Company, 1994 ; Le Roy E. – Karsenty A. e Bertrand A. La sécurisation foncière en Afrique : pour une gestion viable des ressources renouvelables, Karthala, Paris, 1996.
9. a este propósito ver a contribuição de Ph. Lavigne Delville «Privatiser ou sécuriser » em : Quelles politiques foncières pour l’Afrique rurale ? sob a direcção de Ph. Lavigne Delville. Karthala, Paris, 1998
10. P. De Wit, relatório de missão, OSRO/906/ITA, FAO-SDAA, Janeiro de 2001
11. Os direitos dos distintos actores sobre as terras, já som regularizado dentro da lei costumeira onde existem mecanismos para solucionar casos de conflito. O que se pretende com a “regularização” é a adequação das instituições costumeiras com as instituições formais do Estado (que passa a ser considerado como instancia superior de legitimidade). Quanto mais as novas instituições estarão longe da realidade, mal conhecidas, difícil de ser entendidas e implementadas, quanto menor será seu respeito e aceitação. No contrario, quanto mais estarão perto da realidade, serão conhecidas e globalmente aceita, quanto maior a possibilidade para servir de instrumentos úteis para o desenvolvimento.
12. A delimitação dos territórios das comunidades é um exercício multidisciplinario que pretende, de forma participativa, identificar os limites reconhecidos e aceitos do conjunto de terras do nível de agregação familiar que constituem a Unidade de gestão. Uma vez identificado o nível da “comunidade” , aquele nível de agregação tem um conjunto de terras para uso directamente produtivo, em parcelas individuais e/o colectivas, outros lotes em gestão, outros em pousio ou como lugares sagrados, o como reserva para as próximas gerações etc. este conjunto tem limites bastante claros para as autoridades tradicionais: os limites chegam até onde começam as terras de outra “comunidade”. Para evitar futuros conflitos, uma vez identificados, com as autoridades tradicionais, os limites de seu território, é fundamental averiguar junto com os vizinhos, fazendeiros, outras comunidades, Estado, si aqueles limites som aceitos. Em caso positivo podemos proceder a delimitação e georeferençação dos pontos; em caso negativo é preciso resolver o problemas entre os actores que tenham problemas. A identificação do conjunto de terras de uma comunidade (Unidade de gestão), comanda a realização de um diagnóstico sistémico, rápido que permita de (i) identificar o nível de agregação, (ii) identificar as suas instituições de gestão e suas lideranças, (iii) identificar seus direitos de terra e (iv) identificar onde estes direitos existem. Um principio chave deste trabalho é a parceria de trabalho entre técnicos públicos (DPOR, assessores jurídicos, EDA) em conjunto com os intervenientes de base no processo de desenvolvimento (ONGs e outras organizações da sociedade civil). O asseguramento dos direitos de posse de terra através do processo de delimitação e registo das terras das comunidades deve ser benéfico para todas as famílias e não somente para as famílias mais influentes. Finalmente, o trabalho de campo é fundamental para identificar a legitimidade das instituições de gestão dos recursos naturais e de apoio as comunidades, nos olhos da maioria da população. E´ preciso notar como neste tipo de trabalho não é ausente a preocupação levantada por J. Marie (J. Marie “Peut-on cartographier les droits sur l´espace et sur les ressources?” contribuição aparecida no texto de Ph. Lavigne Delville op.cit. - sobre a possibilidade de cartografar os direitos sob o espaço.
13. Evidentemente excluímos desse grupo aqueles agitadores profissionais, como é o caso do Núcleo da terra do padre Pio na Huila, cuja agenda é essencialmente fomentar desordenes e aumentar as possibilidades de conflitos, até armado, entre os parceiros de uma questão já bastante delicada.
14. Esta palestra da continuidade a uma primeira realizada pelo autor e organizada sempre pela Embaixada da Itália no Setembro do ano 2000, sobre o tema das experiências internacionais em matéria de reforma agraria e segurança de posse de terra. A esperança é que na próxima podamos olhar mais para futuro que para o passado (nota do autor).
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